sábado, 10 de novembro de 2007

Post 10: Vi em meus sonhos e escrevi

Chegando em casa após um belo sábado de curso sobre o mundo mágico da produção editorial*.... no trajeto para casa, lembrei-me de um texto produzido alguns anos atrás e que acredito ter um pouco do espírito das oficinas que acabo de participar. Está aí.

(*Participei de uma série de oficinas que fizeram parte do seminário "Quem mexeu no meu texto?" organizado pelo Instituto Mundo Cristão e realizado nas dependências da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Temas das oficinas: "O papel do escritor", "Argumento persuasivo","Fontes de inspiração e direito autoral")

_____________________________________________________________________

Vi em meus sonhos e escrevi

Àquelas horas, era um som já irritante e que tomava todo o quarto do apartamento 104 na rua das visões. Era uma já desesperada tentativa, de um jovem que há pouco havia descoberto prazer da escrita, mas tinha medo de escrever. Tentava sem sucesso desenvolver um conto que entraria no livro “Um conto, que Conto”, uma idéia da professora de redação para reunir os trabalhos produzidos durante o curso. O incomodo som era a “ventoinha” de refrigeração do computador, somado ao frenético estalido dos botões do teclado que àquelas horas perfaziam uma estrondosa parede sonora.
Na escrivaninha, ao lado do monitor, um punhado de livros recentemente lidos ou então de mestres que há tempos o acompanhavam. Dentre os quais Nelson Rodrigues, em uma coleção de contos e crônicas; o fabuloso “Revolução dos Bichos” de Orwell; um pequenino conto de Saramago sobre a ilha desconhecida; Sidney Sheldon em exemplar a anos surrupiado da biblioteca circulante de uma antiga professora; e sobre a pequena pilha, um livro magro de capa mole, cor de mostarda com o titulo em letras góticas “O Ginógrafo” do alemão Kaspar Krabbe. Aliás, o jovem nunca se convenceu de que a obra tivesse, de fato, sido escrita pelo velho alemão.
Os livros ali estrategicamente jogados compunham um pequeno altar, como se o jovem escrevesse aos pés dos deuses literários pedindo-lhes inspiração. Um sacrifício em vão.
No velho 3 em 1, herdado do pai, tocava um disco de Coltrane, e uma xícara com café pela metade completava o cenário. E a historia nada.
Olhava para as poucas linhas já escritas na madrugada anterior, para os livros ali amontoados, levantava-se olhava o breu da madrugada pela janela e voltava a sentar. Sentia-se, como imaginava, um cego a beira de uma estrada sem saber como avançar.
O jovem ameaçou ir deitar-se quando se lembrou de uma máxima que havia lido, sem entender, há poucos dias. “A evidência é para os olhos do espírito o que a visão é para os olhos do corpo”.A partir disso, pensou, esboçou alguns pensamentos num outro texto paralelo ao que já estava escrevendo, e ao terminar releu. Após uma longa pausa, uma bebericada no café que já gelava na xícara, disparou: SOFISMA!!! E puxando o fio da tomada, fez calar o som da ventoinha que já não podia suportar. Decidiu dormir.
Em seus sonhos, como uma aquarela em que cores se misturam formando um belo conjunto que agrada a vista, percebeu um colorido intenso onde se destacava o amarelo mostarda e do centro saiam letras que formavam palavras que se misturavam e borravam dando origem a novas palavras num ciclo interminável. A música de Coltrane que ouvia minutos atrás se convertera, no que imaginava ser a melodia do hino “Bichos da Inglaterra” que era entoado noite após noite na Granja do Solar, na fábula de Orwell. E pouco antes de acordar, uma última imagem: era uma mulher vestida de empregada que dizia algo como “todo homem é uma ilha que precisa ser descoberta”.
O brilho das cores enegreceu, a mulher escondeu-se na sombra, os bichos correram para sua revolução, e o sonho acabou. O jovem enfim entendeu, que tudo o que preciva já tinha, seus olhos para ver, o coração para sentir, seus sonhos para escrever. Sentiu-se pronto a fazer sua revolução, livre para escrever sem medo de ser incompreensível. Queria agora se descobrir, ir a diante e fazer acontecer. O jovem pôs-se a escrever e o som da ventoinha e o estalido do teclado voltaram a ecoar.
Daniel Oliveira

Nenhum comentário: